Rui Simões

Rui Simões

“Tudo é político, mesmo a nossa ignorância. Procuro com o meu cinema estar próximo das pessoas e sobretudo das pessoas mais desfavorecidas, abordo os problemas sociais, a História, para melhor nos conhecermos”

Bem-vindo a mais uma entrevista Impacto! Hoje, temos o imenso prazer de falar com Rui Simões, recentemente galardoado com o prestigiado Prémio Sophia de Carreira, o seu contributo foi oficialmente reconhecido, afirmando o seu estatuto de referência no cinema nacional. Conhecido pelas suas explorações criteriosas de temas sociais e políticos, os seus filmes reflectem as complexidades da sociedade contemporânea, desde as lutas das comunidades marginalizadas até à intrincada narrativa de acontecimentos históricos.

Depois de estudar realização para cinema e televisão no Institut des Arts de Diffusion em Bruxelas, iniciou a sua carreira no vibrante contexto pós-revolucionário de Portugal, onde produziu documentários de referência como Deus, Pátria, Autoridade e Bom Povo Português. Com a sua recente incursão na ficção com Primeira Obra, um filme semi-autobiográfico que entrelaça a realidade e a ficção, produz uma nova exploração da narrativa e da expressão artística. A sua produtora, Real Ficção, tem sido fundamental na promoção do cinema independente, permitindo a exploração de questões sociais prementes através da lente da arte.

Nesta entrevista, vamos aprofundar os temas que permeiam os seus filmes, desde a luta de classes até à responsabilidade dos cineastas em retratar verdades históricas. Junte-se a nós para explorarmos as ideias de Rui Simões sobre o poder transformador do cinema e as suas reflexões sobre uma carreira notável dedicada a contar histórias que ressoam com urgência e profundidade.

“Tudo é político, mesmo a nossa ignorância. Procuro com o meu cinema estar próximo das pessoas e sobretudo das pessoas mais desfavorecidas, abordo os problemas sociais, a História, para melhor nos conhecermos”

Antes de mais, parabéns por ter recebido o prestigiado Prémio Carreira Sophia! Esta distinção reconhece o seu notável contributo para o cinema português ao longo de cinco décadas. Como se sente com este reconhecimento nesta fase da sua carreira? Inspira-o a olhar para o seu trabalho com um sentimento de conclusão, ou alimenta novas ambições e direcções criativas?

RS: Foi uma boa surpresa num ano muito especial para mim, aos 80 anos, 50 de carreira e 50 do 25 de Abril. Tudo junto num só ano é muita coisa boa e só posso estar feliz com isso. Quanto a conclusões não sou muito de conclusões, sou mais de deixar em aberto o futuro e continuar a procurar novos caminhos para esta aventura que é o cinema e a vida.

 Os seus filmes, reflectem a urgência de documentar a mudança histórica. Como vê a intersecção entre o cinema e o ativismo político? O cinema é inerentemente político ou torna-se político consoante a intenção e o contexto do realizador?

RS: Tudo é político, mesmo a nossa ignorância. Procuro com o meu cinema estar próximo das pessoas e sobretudo das pessoas mais desfavorecidas, abordo os problemas sociais, a História, para melhor nos conhecermos, e as Artes em geral, mas tenho consciência de que só com as novas tecnologias poderemos continuar esta luta por um mundo melhor.

A transformação cultural e social é um tema recorrente nos seus filmes, desde a saúde mental à emigração e à pobreza. Na sua opinião, o cinema tem o poder de moldar ativamente os valores da sociedade, ou é mais um meio de reflexão que capta o zeitgeist de uma determinada época?

RS: O Cinema tem o poder de esclarecer, iluminar, mas também de alimentar a reflexão. O Cinema é uma arte, a sétima, a que melhor corresponde à sociedade actual, por isso deve ser aproveitada para a transformação cultural e social, melhorando a vida das pessoas.

Em obras como Bom Povo Português, examina criticamente as complexidades da democracia e da revolução. Como é que equilibra a necessidade de expressão artística com a responsabilidade de retratar acontecimentos históricos? Sente uma tensão entre ser cineasta e historiador, especialmente ao construir narrativas de identidade nacional?

RS: Essa tensão existe, e é justamente no nosso trabalho de cineasta que vamos encontrar o equilíbrio entre nós e a História. Nunca sabemos se temos razão na construção da narrativa, mas ao sermos testemunho vivo de uma realidade histórica, estamos mais preparados para intervir com o Cinema na construção dessa narrativa, e só o tempo nos julgará. Para já vamo-nos dando bem com a nossa função.

“O que me move ao fazer cinema é sempre o amor”

Em Primeira Obra, uma personagem afirma, de forma profunda, que “o cinema conta sempre uma história de amor, sobretudo quando está a pensar na luta de classes”. Como interpreta esta frase no contexto do seu filme e que papel acredita que o amor, quer como força motriz, quer como fonte de conflito, desempenha em narrativas que abordam as disparidades sociais e económicas?

RS: O que me move ao fazer cinema é sempre o amor. O amor desenvolve-se em cada momento do processo cinematográfico e sobretudo quando se trata de conflito como é o caso da luta de classes. Só o amor pode equilibrar os sentimentos humanos na frágil balança entre a vida e a morte. Estamos a viver um terrível momento histórico onde o amor desapareceu dos líderes políticos para se aproximar do ódio e fazer pender a balança para o lado da morte. O que estamos a assistir hoje é a uma corrida vertiginosa na auto estrada global da desinformação, para destruir o que de bom tem a espécie humana, as democracias são frágeis e as ditaduras impõem a lei do mais forte, mentindo, alimentando o ódio, falseando a verdade e dividindo as populações. Talvez o Cinema e as Artes em geral ainda possam contrabalançar esta situação, ou pelo menos atenuar os efeitos nefastos e só com o AMOR isso é possível.

Olhando para trás, em 50 anos de cinema, como reflecte sobre o seu impacto no panorama mais vasto do cinema português e mundial? O que considera ser a realização mais significativa da sua carreira, e que questões ou histórias por resolver continuam a atraí-lo enquanto artista e realizador?

RS: Não sei muito bem responder a esta pergunta. Na parte que me toca, fiz os filmes que achei no momento necessários e não consigo avaliar o impacto que eles tiveram. Quanto às novas histórias que quero contar, já estão escritas, e só aguardam financiamento para serem concretizadas.

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