Elgar Rosa

Elgar Rosa

“hoje, quando falamos de polarização, lembramo-nos imediatamente da comunicação política e do crescimento da extrema direita. Como cidadão, custa-me que o discurso político moderado não tenha evoluído e tenha permitido que a extrema direita tenha encontrado nele material combustível para trazer a “conversa de café” para a Assembleia da República”

Numa época marcada pela rápida transformação digital e por um fluxo avassalador de informação, o papel das agências de comunicação e relações públicas nunca foi tão crítico para enfrentar os desafios relacionados com a forma de comunicar, a transparência, as práticas éticas e a responsabilidade social. Elgar Rosa, fundador e diretor executivo da Pure, uma afiliada da Rede 3AW, e membro da Direção da Operação Nariz Vermelho, é nosso convidado nesta entrevista.

Junte-se a nós enquanto exploramos a forma como uma comunicação eficaz pode conduzir a mudanças significativas e repercutir-se num mundo frequentemente caracterizado pela sobrecarga de informação e pela alteração das expectativas da sociedade. Elgar Rosa partilhará connosco os seus conhecimentos sobre como equilibrar mensagens impactantes com considerações éticas, adaptar estratégias ao cepticismo crescente dos consumidores e aproveitar a comunicação para promover a justiça social e a inclusão. Elgar Rosa irá, também, abordar a forma como o envolvimento da Pure com causas sociais e com as artes não só molda a sua missão, como também aumenta o seu impacto global.

Numa época de sobrecarga de informação e de rápida transformação digital, como podem as agências de comunicação e relações públicas, como a Pure, equilibrar eficazmente a necessidade de mensagens impactantes com a crescente procura de transparência e considerações éticas na narrativa de uma marca ou produto?

 Não creio que sejam as relações públicas, mas todas as entidades que comunicam, sobretudo fontes organizadas de informação, sejam empresas, agências de relações públicas ou comunicação, assessores de imprensa ou diretores de comunicação. A comunicação estratégica e assessoria de imprensa existem para amplificar mensagens de empresas, instituições ou pessoas que possam ser consideradas notícia pelos jornalistas, que nem sempre têm tempo ou recursos para fazer fact check. Parte do trabalho das agências e dos assessores de imprensa é trazer este layer de confiança a um conteúdo que chega de uma fonte identificada, com a qual os jornalistas estão habituados a trabalhar. Apesar de muitos verem, por exemplo, a inteligência artificial como uma ameaça ao trabalho das agências, sinto que agora, mais do que nunca, os jornalistas precisam de saber quem lhes envia a informação, para se assegurarem da fiabilidade do conteúdo.

À medida que as expectativas da sociedade evoluem, particularmente em torno de questões de justiça social e responsabilidade ambiental, como é que as estratégias de comunicação se podem adaptar para lidar com o cepticismo crescente dos consumidores, cada vez mais desconfiados do ativismo performativo e social washing?

Com honestidade e ação, mais do que com discursos redondos e iniciativas confortáveis e pouco diferenciadoras. Um estudo de 2024 da Edelman realizado em 28 países revelou, entre outros, que as pessoas confiam mais nas empresas do que nos governos para liderar a mudança social. Outros estudos referem que, quando garantida a qualidade ou o preço comparável, 91% dos consumidores preferem marcas associadas a causas justas. Campanhas como a Nike (For once, Don’t do It ou Dream Crazy), Airbnb (We Accept ou Airbnb Ukraine Campaign), Ben & Jerry’s (Stop Hate for Profit ou If It’s Melted, It’s Ruined ) foram mais do que arrojadas por assumirem uma posição ou convidarem à ação relativamente a temas sociais ou ambientais. Geraram um comprovado efeito positivo no público alvo, além de terem promovido a discussão online e offline.

“Como cidadão, custa-me que o discurso político moderado não tenha evoluído e tenha permitido que a extrema direita tenha encontrado nele material combustível para trazer a “conversa de café” para a Assembleia da República”

Enquanto especialistas em comunicação, qual é a sua opinião sobre a crescente prevalência do discurso polarizado, tanto nos debates políticos como nas interações entre indivíduos nas redes sociais? É correto considerar que esse conteúdo polarizado gera maior envolvimento em comparação com uma comunicação equilibrada e inclusiva? Existirá um apelo inerente ou uma gratificação psicológica associada ao consumo ou à participação de um discurso polarizado?

A minha opinião sobre este tema é enquanto cidadão e não como especialista em comunicação, porque acredito que este é um tema social, mais do que de comunicação. Não me sinto habilitado para falar em conceitos como efeito Dunning-Kruger (uma distorção cognitiva de pessoas, que, com acesso a pouca informação, têm tendência para se sentirem qualificadas a falar sobre os mesmos) ou no papel dos algoritmos na estimulação do fenómeno do discurso polarizado.

No entanto, hoje, quando falamos de polarização, lembramo-nos imediatamente da comunicação política e do crescimento da extrema direita. Como cidadão, custa-me que o discurso político moderado não tenha evoluído e tenha permitido que a extrema direita tenha encontrado nele material combustível para trazer a “conversa de café” para a Assembleia da República. Se somarmos a esta circunstância do “eles dizem o que eu penso” à pressão com que o algoritmo das redes sociais nos confronta com posições extremadas, está feito o convite ao confronto, quase sempre verbalmente agressivo, mas inconsequente. No entanto, pode rapidamente escalar para um nível de violência perigosa, sobretudo para com minorias.

“é verdade que a ditadura do clickbait e a necessidade de ter tráfegos “apetitosos” para anunciantes leva alguns meios de comunicação social a caírem na tentação de terem conteúdos questionáveis do ponto de vista jornalístico. Ainda assim do meu ponto de vista isso não belisca o trabalho de qualidade da maior parte dos jornalistas”

Perante a crise do jornalismo tradicional e a ascensão do jornalismo online, que muitas vezes esbate a linha entre entretenimento e notícias ao dar prioridade ao impacto viral em detrimento da informação factual. Que estratégias podem os profissionais dos meios de comunicação e as agências de relações públicas empregar para preservar a integridade da informação e, ao mesmo tempo, cativar audiências que são cada vez mais atraídas por conteúdos sensacionalistas em detrimento do jornalismo factual?

Não concordo que exista uma grande diferença entre o jornalismo tradicional e o online. O que existe é uma maior visibilidade de meios de comunicação que não são jornalismo (muitos assumidamente; outros, convenientemente, nem por isso) o que prejudica a imagem da imprensa. Acredito que são os governos e as entidades reguladoras que devem assegurar que os cidadãos tenham uma visibilidade imediata quando estão a ler um meio de comunicação social, para que possam confiar nos (nem sempre cumpridos, é certo) valores de verdade, isenção, independência, transparência e interesse público. Mas também é verdade que a ditadura do clickbait e a necessidade de ter tráfegos “apetitosos” para anunciantes leva alguns meios de comunicação social a caírem na tentação de terem conteúdos questionáveis do ponto de vista jornalístico. Ainda assim do meu ponto de vista isso não belisca o trabalho de qualidade da maior parte dos jornalistas destes órgãos.  Como cidadão, aceito que os jornais nos quais confio possam publicar “notícias” sobre relações entre figuras públicas, por questões de cumprimento de KPI’s e consequente financiamento. Apenas não as leio. Mas não me revejo num certo puritanismo, sobretudo de pessoas que não compram ou assinam jornais, e se apressam a vaticinar o fim do jornalismo só porque essas “notícias” coexistem num jornal com notícias de política, economia, sociedade e investigação jornalística. 

“Sou absolutamente contra a cultura de cancelamento porque, na maior parte dos casos, é desinformada e funciona por mimetização”

Vê a cultura de cancelamento como uma forma legítima de activismo social que responsabiliza eficazmente as marcas e os indivíduos por comportamentos prejudiciais, ou vê-a como uma abordagem punitiva que suprime o diálogo e restringe a liberdade de expressão?

Sou absolutamente contra a cultura de cancelamento porque, na maior parte dos casos, é desinformada e funciona por mimetização. Se me pergunta se gosto de ver um agressor sexual a perder todos os seus seguidores nas redes sociais, sim. Mas prefiro vê-lo ser punido em tribunal ou exposto na comunicação social, com contexto e factos. A cultura de cancelamento é perigosa e pode arruinar a vida de pessoas inocentes, simplesmente com base em rumores ou numa visão diferente sobre um tema. Isto porque vive de uma mentalidade de multidão e de uma tendência de avaliar os outros com base nas nossas crenças morais ou ideológicas. Acho que devemos rejeitar a ideia de que a cultura de cancelamento é uma forma de ativismo social, porque os riscos são bem maiores do que os benefícios, sobretudo à luz do que já falei sobre o fenómeno de pessoas pouco informadas tomarem posição sobre temas relativamente aos quais pouco sabem.

Como é que o envolvimento da Pure em causas sociais e nas artes molda a sua missão e impacto globais? Pode dar exemplos de projectos ou iniciativas específicas em que a agência tenha apoiado ativamente? Que papel desempenham estes projectos na promoção dos objectivos da agência e de que forma reflectem o compromisso da Pure com a excelência profissional e a responsabilidade social?

Não pensamos o nosso envolvimento nestas áreas como ferramenta para moldar a nossa missão, mas como uma parte normal da nossa atividade, seja pela via de projetos pro bono, projetos de responsabilidade social que desenvolvemos para clientes ou simplesmente para clientes da área cultural. É evidente que os envolvimentos pro bono representam um compromisso cívico com causas e iniciativas em que acreditamos, mas também como vitaminas que nos permitem ver crescer projetos sem músculo financeiro para terem a visibilidade que merecem. 

“os envolvimentos pro bono representam um compromisso cívico com causas e iniciativas em que acreditamos, mas também como vitaminas que nos permitem ver crescer projetos sem músculo financeiro para terem a visibilidade que merecem”

Já trabalhámos projetos ligados à saúde infantil, oncologia, festivais de world music, cultura urbana, transformação ambiental, exposições de arte contemporânea, promoção da participação política e cívica, entre outros.

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