Ana Rita Victor

Ana Rita Victor

"Parar o envelhecimento é algo contranatura e impossível. Mas há um conjunto de decisões e ações que se podem tomar para que o “envelhecimento seja mais saudável”, ou seja, encurtar o período da cronicidade das doenças, permitindo viver mais tempo com mais saúde, próximo de quem se gosta, usufruir dos talentos e das coisas boas da vida"

Hoje temos o privilégio de conversar com Ana Rita Victor, uma distinta cardiologista e especialista em Smart Aging. A sua carreira começou com uma licenciatura na Faculdade de Medicina de Lisboa em 1997 e numa especialização em Cardiologia em 2006. As suas funções como Chefe da Unidade de Cuidados Intensivos Coronários e Coordenadora do Laboratório de Ecocardiografia do Hospital Pulido Valente reflectem a sua vasta experiência e liderança nesta área.

Com um grande interesse na intersecção entre a medicina funcional e o envelhecimento, obteve qualificações adicionais, adquirindo o Wosaam Board Certification em anti-aging medicine e especializações em medicina anti-envelhecimento em “Cardiometabolic Advanced Practice” e “Hormone Advanced Practice”. Durante o seu percurso deu palestras em simpósios e workshops, abordando temas como a suplementação hormonal com testosterona e o risco cardiovascular, stress oxidativo e anti-envelhecimento, prevenção cardiovascular e síndrome metabólico.

Nesta entrevista, Ana Rita Victor irá esclarecer como é a sua abordagem ao “envelhecimento inteligente”, oferecendo uma perspetiva crítica sobre as dimensões sociais e biológicas da menopausa e da andropausa. Iremos aprofundar os desafios dos mitos prevalecentes, as disparidades de género e a necessidade de cuidados individualizados. Iremos também abordar que avanços tecnológicos e ferramentas emergentes teremos para revolucionar a gestão do envelhecimento, abrindo caminho para tratamentos mais personalizados e eficazes.

Ao longo da sua distinta carreira em cardiologia desempenhou funções de chefia e coordenação na área dos cuidados intensivos e ecocardiografia. O que a motivou a expandir o seu foco para incluir a medicina funcional e o envelhecimento? Como é que integra a sua vasta experiência em cardiologia com estes campos emergentes para abordar as complexidades do envelhecimento e melhorar os cuidados gerais dos doentes?

Na Faculdade de Medicina logo me interessou a Cardiologia. Para mim é a especialidade mais interessante, com maior diferenciação tecnológica e com visível impacto na vida dos doentes.  Na altura, no último ano do curso, tínhamos de escolher duas cadeiras opcionais, eu escolhi Cardiologia e Endocrinologia.

Fruto de um problema de fertilidade, fui procurando conhecimento nesta área, através da American Society of Endocrinology, British Sociey of Endocrinology e World Society of Anti-Aging Medicine. Mais tarde, fui-me interessando cada vez mais pelo impacto das hormonas na vida das pessoas, na verdade foi um processo que decorreu sempre em paralelo com a Cardiologia. Queria ajudar pessoas com condições idênticas à minha que não sentissem a aridez de informação, como eu, na altura.

À medida que ia desenvolvendo o meu interesse por longevidade, comecei a perceber que teria de aprofundar os meus conceitos a nível do metabolismo celular e genética. Por ser uma pessoa curiosa, fui buscando conceitos que me permitissem ajudar os meus doentes.

“Importa referir que “inflamação silenciosa” desempenha um papel importante no processo de envelhecimento e no desenvolvimento de várias doenças relacionadas com a idade”

Há um interesse crescente pela inflamação crónica e pelo que está a ela subjacente.  A par desta busca fui paulatinamente entrando no mundo da medicina funcional e da compreensão do envelhecimento.
Sendo cardiologista, comecei por me dedicar à aterosclerose, porque é que certos doentes com colesterol alto tinham doença coronária e outros doentes (com os mesmos fatores de risco) não apresentavam doença coronária? Qual o papel da inflamação na formação da placa de ateroma? Como minimizar a inflamação? Como alterar estilos de vida com impacto na inflamação?
Estas passaram a ser as minhas coordenadas. Importa referir que “inflamação silenciosa” desempenha um papel importante no processo de envelhecimento e no desenvolvimento de várias doenças relacionadas com a idade.
Como médicos fomos treinados a olhar para os sintomas, sinais, fazer o diagnóstico e estabelecer um plano terapêutico.  Não fomos sensibilizados ao longo das décadas a considerar o que de comum têm as doenças crónicas, importa sim, ou importava sim, controlar os sintomas nas doenças crónicas e evitar as situações potencialmente agudas com estratificações de risco e em última análise evitar que o utente morresse.

“o «smart-aging» nome que escolhi há 10 anos, coloca a pessoa como co-autora da sua saúde, numa atitude vigilante, aceitando o envelhecimento, mas redefinindo-o e, mais importante que tudo, atuando sobre ele.”

O Preconceito contra o envelhecimento prevalece em muitas sociedades muitas vezes reforçado pelo termo anti aging utilizado nas práticas médicas e estéticas. Em contrapartida, define a sua especialidade como smart aging. De que forma é que esta designação não só desafia os preconceitos e estereótipos associados ao envelhecimento, como também promove uma mudança de foco do combate ao envelhecimento para a sua adoção como uma fase natural, controlável e até enriquecedora da vida?

“Smart aging” não é uma especialidade, tal como “anti-aging” não é. As sociedades americanas e europeias usam essa designação, mas nunca me revi nela. Mais do que «anti-aging», por envolver a palavra “anti”, como que se de um combate se tratasse, o «smart-aging» nome que escolhi há 10 anos, coloca a pessoa como co-autora da sua saúde, numa atitude vigilante, aceitando o envelhecimento, mas redefinindo-o e, mais importante que tudo, atuando sobre ele.

Parar o envelhecimento é algo contranatura e impossível. Mas há um conjunto de decisões e ações que se podem tomar para que o “envelhecimento seja mais saudável”, ou seja, encurtar o período da cronicidade das doenças, permitindo viver mais tempo com mais saúde, próximo de quem se gosta, usufruir dos talentos e das coisas boas da vida.

“O declínio dos níveis de testosterona associadas ao envelhecimento é pouco discutido, muitas vezes até mal interpretado e com muitos mitos associados. Ao contrário da menopausa que é amplamente reconhecida e aceite socialmente a “andropausa” ainda é vista com ilegitimidade”

Os mitos em torno do envelhecimento e da sexualidade podem levar a sentimentos de constrangimento ou negação tanto para os homens como para as Mulheres que estão a passar pela menopausa ou andropausa como é que a sociedade pode desconstruir estes mitos e criar um ambiente de maior apoio que encoraje os indivíduos a abordar abertamente os seus sintomas com os prestadores de cuidados de saúde e nos seus círculos sociais?

Cerca de 25% dos homens com mais de 65 anos terão níveis baixos de testosterona total e 50% dos homens com mais de 65 anos terão níveis baixos de testosterona livre O declínio dos níveis de testosterona associadas ao envelhecimento é pouco discutido, muitas vezes até mal interpretado e com muitos mitos associados. Ao contrário da menopausa que é amplamente reconhecida e aceite socialmente a “andropausa” ainda é vista com ilegitimidade. O homem não tem uma verdadeira “andropausa” pois não há uma cessação abrupta (pausa) na produção de hormonas sexuais, daí que as manifestações clínicas são mais progressivas.

Como os sintomas masculinos são mais graduais que os femininos, os homens demoram mais a procurar ajuda médica.

“A desconstrução poderia passar por normalização do tema na sociedade e nos media para aumentar a discussão sobre andropausa e consequentemente reduzir o estigma”

Muitos homens desconhecem que a “andropausa” é uma condição fisiológica comum associada a uma redução gradual da testosterona e que se os sintomas podem ser tratados. A falta de informação adequada e o estigma em torno do envelhecimento masculino dificultam a aceitação e discussão desse período de vida.

Problemas sexuais como disfunção erétil ou baixa libido são associados a sentimentos de vergonha e medo de rejeição especialmente por parte das parceiras(os). Esse medo pode fazer com que os homens evitem falar sobre as suas dificuldades ou busquem ajuda. Esse silêncio pode levar ao isolamento emocional agravando o impacto desses problemas e diminuindo a probabilidade de buscar soluções.

A desconstrução poderia passar por normalização do tema na sociedade e nos media para aumentar a discussão sobre andropausa e consequentemente reduzir o estigma. Desta forma os homens iriam perceber que esses problemas são comuns e tratáveis.  Consultas com especialistas e a realização de exames periódicos podem ajudar a detectar alterações hormonais e tratar sintomas precocemente.

Como cardiologista, não posso deixar de referir que a disfunção erétil pode ser um marcador precoce de doença coronária. Torna-se assim compreensível a importância do seu diagnóstico ao nível dos Cuidados de Saúde Primários.

Em homens com deficiência de testosterona, a terapia de reposição com testosterona (TRT) está associada a uma melhoria no humor, na energia, libido, massa muscular e consequentemente na qualidade de vida.

“A medicina tem evoluído no sentido da superespecialização e a par de um novo modelo de gestão levou a que as consultas se tornassem menos integrativas e mais curtas.  A medicina “smart-aging ou funcional” rompe com esta visão. Em vez de o médico ser só o “Sherlock Holmes” à procura da doença é também um promotor de saúde”

Tendo em conta a inconstância dos sintomas e a sobreposição com outras doenças relacionadas com a idade, como é que os prestadores de cuidados de saúde podem desenvolver uma abordagem mais diferenciada e individualizada para o diagnóstico da menopausa e da andropausa, especialmente nos casos em que os marcadores tradicionais podem ser pouco claros ou atípicos?

A medicina tem evoluído no sentido da superespecialização e a par de um novo modelo de gestão levou a que as consultas se tornassem menos integrativas e mais curtas.  A medicina “smart-aging ou funcional” rompe com esta visão. Em vez de o médico ser só o “Sherlock Holmes” à procura da doença é também um promotor de saúde. Nessa ótica o médico tem de olhar atentamente para o estilo de vida, escolhas alimentares, padrão de sono, comorbilidades, medicação, antecedentes pessoais e familiares, enquadramento hormonal, suplementos que podem ou devem ser dados, conhecendo os seus polimorfismos genéticos, e ainda para as queixas específicas de órgão.

A meu ver é preciso tempo para ouvirmos o nosso utente e pensar nos diagnósticos diferenciais. Por vezes disfunção de outras glândulas podem se confundir com queixas encontradas na menopausa e “andropausa”.

Esclarecer a população nos cuidados de saúde primários, difundindo sinais e sintomas de alerta, sob a forma de panfletos, plataformas interativas, etc…

“Não esquecer que pode existir um período de sintomatologia com durabilidade variável, antes de a mulher entrar em menopausa, denominado perimenopausa, com impacto na sua qualidade de vida. Aqui pode já ser necessária intervenção terapêutica”

No tratamento da menopausa e da andropausa como se pode encontrar um equilíbrio entre intervenções hormonais e não hormonais, tendo em conta as diversas necessidades dos doentes e os riscos potenciais associados à terapêutica de substituição hormonal? Que papel desempenham as modificações do estilo de vida o apoio psicológico e as terapias emergentes na criação de um plano de tratamento abrangente e centrado no doente?

Importa entender o risco individual de cada pessoa e não ficar refém eternamente por uma má interpretação do estudo Women´s Health Initiative (WHI) em 2002. Os resultados geraram um grande impacto à época, mudando drasticamente a prática médica, por décadas, baseada no medo, porque os dados preliminares sugeriram um aumento significativo no risco de cancro da mama, doenças cardíacas e trombose venosa nas mulheres que fizeram terapia hormonal.

O que ficou por dizer foi que a média da idade das mulheres incluídas no estudo foi de 63 anos, que estas iniciaram a terapia hormonal muitos anos após o início da menopausa e que o subgrupo de mulheres que apresentou maior risco (5 casos no grupo medicado vs 4 casos grupo placebo, em mil doentes), foi nas que fizeram tratamento com medroxiprogesterona (progestatinas) e estrogénios conjugados (EC). Falamos de mais 1 caso em 1000 doentes. No subgrupo das mulheres sem útero onde se usou apenas estrogénios conjugados, não se encontrou aumento de risco de cancro da mama. Isto leva-nos a pensar sobre o papel das progestatinas (progesterona não bioidêntica).

No caso dos homens, também existiram estudos contraditórios nas últimas décadas. Estudos de 2010 e 2013 sugeriram uma associação entre a TRT e um aumento do risco cardiovascular. Estudos mais recentes, nomeadamente o Traverse Trial publicado em 2023, não confirmaram esses achados e em alguns casos pode até ter efeito protetor para a saúde cardiovascular em homens com deficiência de testosterona. Esses estudos argumentam que a falta de testosterona também está associada a fatores de risco cardiovasculares, como obesidade, resistência à insulina e inflamação. Também a nível de cancro da próstata, pesquisas mais recentes advogam que a TRT, em doses controladas, não apresentaram maior risco.

Não esquecer que pode existir um período de sintomatologia com durabilidade variável, antes de a mulher entrar em menopausa, denominado perimenopausa, com impacto na sua qualidade de vida. Aqui pode já ser necessária intervenção terapêutica. Dados mais recentes têm sugerido que não havendo contraindicação à terapia de reposição hormonal (TRH), esta deve ser iniciada o mais precoce possível, ser administrada via transdérmica, em esquemas individualizados de acordo com o perfil do utente, e com suplementação de acordo com os polimorfismos genéticos relacionados com a via de destoxificação hepática dos estrogénios.

A decisão para se avançar, não havendo contraindicação, tem de ter espaço para a mulher e o homem conhecerem as vantagens (a nível cerebral, cardiovascular, densidade óssea, metabólicas), os riscos e estarem envolvidos no processo de decisão. A adoção de um estilo de vida saudável tem enorme impacto sobre os sintomas quer da menopausa quer da andropausa, são eles:

-Exercício físico regular, de intensidade moderada, com treino de resistência pode preservar a massa muscular, melhorar a densidade óssea, melhorar os níveis de energia e estabilizar o humor.
-Alimentação com baixo índice glicémico, rica em vegetais, proteína magra, fibras, grãos integrais, ómega 3 de forma a diminuir a insulina e consequente inflamação.
-Higiene do sono adequada, mindfulness, ioga, apoio psicológico.
-Fito-hormonas e extratos naturais: diferentes para homens e mulheres com impacto nos afrontamentos, libido, e na modulação da conversão de hormonas.
-Suplementos adaptógenos.
-Moduladores selectivos de receptores de estrogénio (SERMs) e Androgénio (SARMs).

“Existem vários mitos, nomeadamente que a TRH aumenta o risco de doenças cardiovasculares, cancro da mama e próstata. A terapia deve ser individualizada. Importa o que se dá, quando se inicia e por quanto tempo deverá ser efetuada”

Na sua prática clínica especializada em Smart Aging, observa uma predominância de pacientes do sexo masculino ou feminino a procurar ajuda? Em que medida é que estas pessoas estão informadas sobre as suas doenças e qual a prevalência de ideias erradas ou mitos que continuam a moldar a sua compreensão e gestão dos sintomas?

Trata-se de um tema complexo e controverso, que polariza as opiniões dos especialistas, perante o mesmo conjunto de provas científicas, entre a promoção ou a crítica ao seu diagnóstico e tratamento.

Existem vários mitos, nomeadamente que a TRH aumenta o risco de doenças cardiovasculares, cancro da mama e próstata. A terapia deve ser individualizada. Importa o que se dá, quando se inicia e por quanto tempo deverá ser efetuada. Existem queixas que muitas vezes estão mais ligadas à supra-renal, ao síndrome metabólico, alterações do sono e à inflamação associada com efeitos sistémicos. Neste tipo de situações importa começar pela matrix da medicina funcional e só depois então ponderar a introdução de terapia hormonal.

Existe maior preconceito em procurar ajuda por parte do homem. Mas essa diferença já foi bem maior no passado, uma maior consciência de que a “andropausa” afeta qualidade de vida, fez com que um número maior de homens procure orientação.

Ao olhar para o futuro de que forma prevê que os avanços tecnológicos irão remodelar o cenário do envelhecimento? Que técnicas ou ferramentas prevê que tenham impacto transformador na nossa abordagem ao envelhecimento claramente em termos de diagnósticos personalizados, cuidados preventivos e estratégias de intervenção?

Vamos olhar para a medicina de outra forma, uma medicina de precisão e de diagnósticos personalizados. A medicina de precisão suportada por técnicas de análise genética e epigenética.

A Inteligência Artificial permite analisar grandes quantidades de dados e identificar padrões que seriam difíceis ou impossíveis de detetar manualmente.

A par com a Inteligência artificial será possível detetar predisposições a doenças relacionadas ao envelhecimento num estádio inicial, personalizando as intervenções para prevenir ou retardar o seu desenvolvimento.

Por sua vez salientar a aplicabilidade de relógios epigenéticos que medem a idade biológica, com base na metilação do DNA, permitindo monitorizar a eficácia de intervenções antienvelhecimento. A análise de dados contínuos permitirá que a AI sugira rotinas personalizadas de sono, exercício, alimentação e suplementação.

Tratamentos com senolíticos, de forma a eliminar células senescentes.  Estas células deixam se dividir, acumulam-se nos tecidos e libertam substâncias inflamatórias contribuindo para o envelhecimento e para o desenvolvimento de várias doenças relacionadas com a idade.

Os senoliticos estão em fase inicial de estudo em humanos. Algumas substâncias têm mostrado potencial senolítico em modelos experimentais, são exemplos: dastinibe, quercetina, fisetina, etc.

Aplicação de células-tronco, para regenerar tecidos danificados.

Edição genética com CRISPR é uma técnica experimental que tem revolucionado a biotecnologia e a medicina ao permitir a edição genética para corrigir mutações que causam doenças genéticas e eliminar genes associados ao envelhecimento

Impressão 3D de tecidos, como promessa para o futuro da medicina regenerativa.

Dispositivos de monitorização, relógios inteligentes, etc…

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