Ana Festas Henriques

Ana Festas Henriques

“O trabalho jurídico pro bono é um veículo de resposta social para o qual os advogados são especialmente chamados, mas pode e deve ser também um veículo de transformação social.”

Antecipando a 3ª conversa warm Up Festival Impacto com curadoria pela Vieira de Almeida & Associados (VdA) sobre o tema “A linha ténue entre a liberdade de expressão e o discurso de ódio” tivemos o privilégio de conversar com Ana Festas Henriques, Associada Coordenadora da área de Economia Social & Direitos Humanos e Pro Bono Manager da VdA.

Ana Festas Henriques é advogada, tendo efetuado um curso de direitos humanos pelo Leitner Center for International Law and Justice da Fordham University e sido formadora na área de direitos e princípios digitais no Instituto Nacional da Administração, I.P., bem como monitora da disciplina “Direito e Voluntariado” na Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa. A sua experiência como formadora e como conselheira em gabinetes governamentais, onde mergulhou nos domínios dos direitos humanos, em particular dos direitos digitais, alimentou ainda mais a sua paixão por efetuar mudanças positivas.

Nesta entrevista, ficamos a conhecer a génese do programa pro bono da VdA, o processo de seleção de casos e o impacto transformador, no panorama jurídico, do trabalho pro bono como um exemplo de serviço e representativo do compromisso de uma empresa com o bem-estar da comunidade e o progresso da sociedade.

Pode partilhar a história por detrás da criação do programa pro bono da VdA? O que motivou o escritório a institucionalizar um compromisso tão forte com o serviço comunitário e como é que esta iniciativa evoluiu ao longo do tempo?

O nosso Programa Pro Bono foi institucionalizado em 2008, enquanto dimensão essencial da cidadania empresarial da Firma. O programa nasceu assim como resposta institucional ao imperativo ético e social que acreditamos recair sobre os advogados, enquanto agentes incontornáveis no acesso à justiça, de prestar serviços jurídicos de qualidade a quem não tem condições para aceder aos mesmos por dificuldades económicas ou de outra natureza. Desde a origem, o programa focou-se em apoiar organizações com uma missão social e, naturalmente, evoluiu muito ao longo do tempo, abrangendo agora muitas instituições de inovação social, uma vez que acreditamos que só através da inovação será possível dar novas respostas a problemas sociais persistentes. Em média, todos os anos a VdA dedica mais de dez mil horas de trabalho ao seu Programa Pro Bono e orgulhamo-nos de estar envolvidos com os projetos sociais mais impactantes em Portugal e nas jurisdições de língua portuguesa onde operamos.

“O Programa Pro Bono é transversal a todas as áreas de prática da VdA, envolvendo os advogados que, em cada caso, são os mais indicados para dar a resposta jurídica à questão em causa, sendo a sua gestão feita por mim, enquanto Pro Bono Manager da Firma.”

Como é que a VdA identifica e dá prioridade a casos pro bono? Existem critérios ou processos específicos para selecionar estes casos?

A Política Pro Bono da Firma estabelece os critérios orientadores do Programa, o qual se norteia por eixos estratégicos que conformam os critérios de aceitação de um pedido de apoio jurídico. Tudo começa com a submissão de um formulário de candidatura ao Programa apresentado por quem pretende o nosso apoio jurídico, no qual recolhemos informação essencial sobre a entidade ou o projeto para uma tomada de decisão pelo Comité Pro Bono, que baseia essa decisão seguindo critérios previamente definidos, entre os quais o apoio jurídico a prestar estar direcionado para uma entidade ou projeto do terceiro setor, o cariz de inovação social do projeto, o impacto que o apoio jurídico a prestar pode ter no projeto, o enquadramento do apoio nas áreas de prática da Firma, bem como o facto de não existirem fatores de exclusão que impeçam uma decisão de aceitação, designadamente ter sido identificado um conflito de interesses ou o apoio jurídico pretendido versar sobre matérias de direito nas quais a VdA não trabalha.

Quanto às fontes de origem, tipicamente são as entidades que pretendem o nosso apoio jurídico que fazem o primeiro contato, mas temos também situações em que é a Firma a identificar um projeto ou entidade de terceiro setor que demonstra total alinhamento com o Programa e somos nós a fazer o contato e a disponibilizar apoio jurídico.

A partir do momento em que um determinado pedido é aceite para ser incluído no Programa Pro Bono, todos os processos internos da VdA aplicáveis a qualquer cliente são seguidos, designadamente a nível de compliance interno e despiste de conflito de interesses, envio de uma proposta de trabalho com a descrição do âmbito do apoio a prestar e previsão das horas de trabalho necessárias, abertura de cliente e dos dossiers respetivos. Um cliente incluído no Programa Pro Bono é um cliente da VdA como qualquer outro, a única diferença é que não receberá uma fatura de honorários pelos serviços jurídicos prestados. O Programa Pro Bono é transversal a todas as áreas de prática da VdA, envolvendo os advogados que, em cada caso, são os mais indicados para dar a resposta jurídica à questão em causa, sendo a sua gestão feita por mim, enquanto Pro Bono Manager da Firma.

“Em média, todos os anos a VdA dedica mais de dez mil horas de trabalho ao seu Programa Pro Bono e orgulhamo-nos de estar envolvidos com os projetos sociais mais impactantes em Portugal e nas jurisdições de língua portuguesa onde operamos.”

Pode destacar um caso ou um projeto pro bono que esteja a decorrer, realçando o seu significado para a sociedade e explicando de que forma esse projecto tem impacto social e contribui para desconstruir um preconceito ou discriminação?

Poderíamos destacar não um, mas vários projetos com impacto social relevante em diferentes setores da sociedade. Um exemplo recente é o apoio jurídico que estamos a prestar à Rede Capital Social – Associação de Filantropia Estratégica, que pretende gerar mudanças sistémicas positivas no ecossistema da inovação social e que tem como missão a maximização do impacto social através de uma rede dedicada à filantropia estratégica. O objetivo da Rede Capital Social é apoiar a médio e longo prazo, iniciativas relevantes, conectando filantropos e investidores sociais com organizações geradoras de impacto social e incentivando a utilização de diferentes recursos da Rede para melhor capacitar as organizações sociais e provocar mais impacto.

Outro exemplo que podemos realçar é o “Projeto Zambujal 360”  criado pela Ad Gentes – Associação Leigos Missionários da Consolata que pretende transformar o bairro onde se insere este projeto através da criação de valor na formação de jovens, no estabelecimento de uma rede de comerciantes, na requalificação de espaços urbanos, assim como na promoção artística, social e cultural, com a ambição de ser o primeiro bairro social do mundo embaixador dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

Ainda merecedor de realce é o projeto da Teach For Portugal, organização portuguesa sem fins lucrativos que pertence à rede internacional Teach For All e que tem como objetivo diminuir a desigualdade educativa e proporcionar às crianças de meios mais desfavorecidos a oportunidade de atingirem o seu máximo potencial, colocando-os num caminho de oportunidades que trará impacto nas suas vidas a curto prazo e nas escolhas que farão para o futuro. Para além do apoio jurídico da VdA, este é um projeto também apoiado pela Fundação Vasco Vieira de Almeida, tal como o “Projeto Zambujal 360” sendo um projeto transversal a todos os veículos de responsabilidade social da VdA.

Estes são apenas alguns dos muitos projetos que apoiamos, integrados no nosso Programa Pro Bono, e que nos permitem, por via do apoio que lhes prestamos, dar o nosso contributo às respostas sociais que visam endereçar.

“Em particular na vertente jurídica, assiste-se a uma proliferação de instrumentos legais cada vez mais complexos e exigentes, fazendo com que os advogados, enquanto agentes do sistema de justiça e defensores do direito, possam ter um papel diferenciador e de impacto.”

Qual é sua visão da VdA do futuro do trabalho pro bono no âmbito da profissão de advogado, especialmente à luz da evolução das exigências da sociedade?

Entendemos o trabalho pro bono como uma das formas de retribuição à sociedade, com o que qualquer pessoa ou entidade deveria estar comprometida como forma de honrar o contrato social entre si próprio e a comunidade. O trabalho jurídico pro bono é uma das formas que os advogados têm ao seu dispor para honrarem este compromisso de retribuição, disponibilizando conhecimento especializado a quem o necessita e que, muitas vezes, não dispõe dos meios necessários para a ele aceder. Numa visão mais tradicional o apoio jurídico pro bono corresponde ao aconselhamento jurídico para a resolução de problemas, aqui se incluindo também o recurso à via judicial. Na VdA temos uma ambição maior e uma inquietação permanente que nos levou a estruturar o trabalho jurídico pro bono em diversas dimensões e a integrar a sua gestão numa área de prática especialmente dedicada às organizações da economia social e aos direitos humanos corporativos. Entendemos que, também por via do trabalho pro bono, podemos ser agentes de mudança tendo em vista uma sociedade mais inclusiva e mais justa, não só pelo apoio jurídico especializado que prestamos, mas também através de ações de capacitação ou de sessões de formação em que estamos envolvidos, em articulação com a academia ou entidades do terceiro setor, ou via discussão de políticas públicas e colaboração na redação dos instrumentos legislativos.

Nos dias de hoje, com uma sociedade altamente globalizada e complexificada, os desafios societais são de resposta nem sempre fácil. Em particular na vertente jurídica, assiste-se a uma proliferação de instrumentos legais cada vez mais complexos e exigentes, fazendo com que os advogados, enquanto agentes do sistema de justiça e defensores do direito, possam ter um papel diferenciador e de impacto. Sem prejuízo do seu trabalho pro bono numa vertente assistencialista, os advogados podem ser verdadeiros agentes de mudança social, contribuindo com o seu saber fazer e conhecimento especializado na construção de políticas públicas e na conformação do direito à realidade atual, ajudando na construção de uma sociedade mais inclusiva e mais justa. O trabalho jurídico pro bono é um veículo de resposta social para o qual os advogados são especialmente chamados, mas pode e deve ser também um veículo de transformação social.

 

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